sexta-feira, 8 de maio de 2015

É PAU NA MÁQUINA! OS QUADRINHOS ESCATOLÓGICOS DE MARCATTI



Resenha do livro "Marcatti: tinta, suor e suco gástrico" (Nova Iguaçu, Marsupial editora, 2014. Série Recordatório) de Pedro de Luna


Escatológico. Não existe palavra melhor para definir os quadrinhos de Marcatti. O paulista Francisco de Assis Marcatti Júnior, recém adentrado na casa dos 50 anos é o principal nome da Hq underground brasileira.
            Tendo o sexo como um dos temas mais recorrentes, o artista desfila o seu traço duro  e seco por aspectos sombrios da personalidade humana. Quase sempre se vale do contraste fundamental entre o preto e o branco, como se as cores fossem justamente desfazes as citadas sombras captadas nas esquinas da alma de seus personagens.
            Marcatti se tornou famoso  para o grande público principalmente por desenhar as capas dos discos da banda de punk Ratos de Porão. A parceria chegou a render a publicação de algumas edições de revistas em quadrinhos que registravam as peripécias do grupo liderado pelo vocalista João Gordo.
            Apresentado o artista, é importante salientar que essas palavras estão sendo escritas por ocasião do lançamento do livro "Marcatti: tinta, suor e suco gástrico", do jornalista, publicitário, agitador cultural, quadrinhista e cuidador de gatos nas horas vagas, Pedro de Luna.
            A obra vem a lume pela série "Recordatório", compilada pela editora Marsupial. Pedro não poderia ter feito escolha melhor para biografar, afinal, além do passado de Marcatti, o desenhista continua não só bastante ativo, como tem resgatado recentemente a sua produção artesanal, voltando depois de um longo hiato aos comandos de sua impressora off-set.
            O próprio cartunista cuida dos pormenores das edições de cada um dos seus álbuns, acompanhando o processo de fio a pavio. E haja pavio, pois cada página desenhada por ele é como uma explosão, enfiando o dedo na ferida da nossa hipócrita sociedade, que segundo o artista, normalmente acha nojento aquilo que é natural, inocente. E por extensão, poderíamos complementar o raciocínio do artista e apontar que geralmente aquilo que de fato é abjeto, como a injustiça social, por exemplo,  é naturalizado.
            No prefácio da obra, Pedro de Luna afirma que Marcatti - ao contrário de muitos profissionais de sua geração, como Angeli, Laerte e Glauco -  não enveredou pelo desenho político. Ouso discordar, afinal ao investir em retratar o sub-mundo, o quadrinhista revela justamente o político, só que do cotidiano. As taras, as perversões e os pontos mais baixos onde o ser humano pode chegar em busca da satisfação de seus desejos.
            De punk da periferia, Marcatti não tem nada. Sua predileção se dá pelo blues, tendo participado da composição de alguns grupos do gênero. Sendo que como um de seus hobbies, que acabou virando também profissão, está a habilidade de fabricar (e ilustrar) guitarras.
            Um dos maiores feitos do livro é demonstrar amiúde as dificuldades de (sobre)viver de quadrinhos no Brasil. O desenhista norte-americano Robert Crumb disse em certa feita que para ser quadrinhista é preciso antes de tudo coragem. Marcatti demonstra que é preciso mais, é necessário ter estômago e bastante suco gástrico.

* Marcio Malta (Nico) é professor de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e Cartunista, autor da biografia "Henfil: o humor subversivo", vencedora do Troféu Hqmix (2008).
 

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